“A memória é um negócio inflamável”, disse o amigo Teo Victor no Twitter. O trágico resumo tem razão de ser: para pegar fogo, a memória precisa ser material e os lugares destinados a salvar na materialidade as lembranças artísticas ou históricas de um povo têm sido alvo de chamas inexplicáveis. Em 10 anos, pelo menos 7 diferentes instituições de preservação da memória brasileira foram acometidas de incêndios que destruíram grande parte dos seus acervos.
Nesta segunda-feira (15), um dos prédios do Museu de História Natural da UFMG pegou fogo. A casa que foi afetada guardava todos os materiais não expostos no momento e o lugar abriga (ou abrigava) mais de 260 mil itens. Ainda não se tem noção da dimensão das perdas.
Enquanto alguns voltam a bradar “Fogo nos fascistas!”, ano após ano acontecem incêndios sempre suspeitos em espaços de preservação da nossa cultura. O desdém típico dos tais fascistas e simpatizantes da extensa destruição de arte realizada pelos nazistas na 2ª Guerra, trata a conflagração desses espaços da mesma forma: “Já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê?”
A lista é longa e foi trazida pelo biólogo Átila Iamarino no Twitter:
E se você acha que é exagero ou algum desses casos está errado, não está. Eu chequei tudo. Todos esses lugares sofreram com incêndios. O Museu da Língua Portuguesa passou 5 anos para se reerguer, quase voltando às atividades normais em 2020, não fosse a pandemia. Outros não poderão nem chegar perto da ideia de se reerguer: pegaram fogo por falta de verba para manter as instalações seguras e perderam tudo (até os próprios prédios). O que obviamente é um crime contra o valor da nossa história.
Não é de se surpreender que o Brasil dê tão pouco valor às instituições criadas para preservar seu passado. Carente de educação de qualidade, este é um povo que está ocupado demais tentando resolver seus problemas mais urgentes para ter que ainda atentar para objetos “inúteis” de gente que “já morreu”.
Em paralelo, desde a Constituição de 1988, esteve sempre presente um sentimento revisionista ou mais diretamente negacionista que um certo tipo de brasileiro tem com sua história. Aqueles que tinham por hábito a novilíngua já nos anos 1960-1970 agora estão novamente no poder (não custa lembrar que a maior parte dos ministros do Governo Federal é militar). E estes são especialistas em esconder o passado, sempre pensando no “Brasil do Futuro”.
O que ninguém conta é que não há futuro sem entender o que somos hoje e, definitivamente, não há um hoje ou um amanhã mais maduros, coerentes e democráticos, sem um passado claro e preservado.