Se alguém te pergunta “sobre o que são os filmes de M. Night Shyamalan?” é comum que a resposta seja “são filmes de terror”. É normal confundir gênero com temática, especialmente quando se fala de cinema de gênero. “Sobre o que é Fragmentado?”, alguém pode perguntar. “É sobre um sequestrador que tem 23 personalidades”, será a resposta. No entanto, essa é a sinopse do filme, não sobre o que ele trata.
No cinema de Shyamalan, como pode ser observado facilmente no novo e bem-sucedido Fragmentado, são usados inúmeros artifícios do cinema de suspense e horror. Estão lá os cortes rápidos com susto, trilhas agudas no violino ou graves e sinistras. Também estão lá os elementos clássicos do gênero, como pistas falsas, revelação tardia e, no caso de Shyamalan, os plot twists (viradas de roteiro no final do filme). Poderíamos tratar tais elementos como estéticos, de linguagem ou até técnicos.
No entanto, quando pensamos sobre o discurso, também passam pelo roteiro de Fragmentado os elementos sobrenaturais ou metafísicos e aí chegamos ao ponto mais importante desse texto: o cinema de Shyamalan não é sobre dar sustos ou discutir o sobrenatural, mas sobre acreditar.
É normal encontrar em sua narrativa este discurso: seus personagens são colocados diante de situações em que precisam acreditar:
- Em O Sexto Sentido, o menino precisa acreditar para entender como se livrar do que o persegue
- Em Corpo Fechado, Bruce Willis precisa acreditar que tem superpoderes.
- Em Sinais, o pastor Mel Gibson precisa voltar a acreditar
- Em A Vila, Bryce Dallas Howard acredita que existe algo além
- Em A Dama na Água, as pessoas precisam acreditar que Bryce Dallas Howard é real
- Etc, etc…
Fragmentado, que se sustenta num caminho seguro para Shyamalan, tem várias camadas em que discute o nível de crença do protagonista sobre o que acontece com ele e também do espectador quanto toda aquela história. E é somente em seu final (que não será revelado aqui) que se desenvolve com clareza um elemento importante na jornada autoral de Shyamalan no cinema de Hollywood.
Em A Dama na Água, dos seus mais desprezados filmes, um dos principais fatores é acreditar na história – entende-la como unidade própria e entender a sua verdade interna. Ou seja, para Shyamalan, a verossimilhança é algo que precisa ser relembrado e retomado. Especialmente agora, na geração que hiper valoriza os filmes de herói (símbolo máximo das narrativas “sobrenaturais”) super urbanos, reais e científicos, acreditar mais no impossível, na fantasia, parece ser um exercício pertinente.
A virada, portanto, é fazer o espectador não necessariamente acreditar se tudo aquilo que viu é verdade, mas se ele acredita na história que foi contada dentro do universo proposto. Se tudo aquilo faz sentido para si enquanto narrativa que pode revelar tantas coisas para além dela.
Para quem acompanha a jornada do diretor, portanto, este é um plot twist que discute a sua própria narrativa. Sendo um elemento narrativo que consolida nossa crença sobre uma verdade da história, ele passa a ser uma ampliação a tudo que ele propõe enquanto contador de histórias – sempre fictícias, sempre verdadeiras.