O mundo está acontecendo em Mad Max: Estrada da Fúria

“Meu nome é Max. Meu mundo é fogo e sangue”

O mundo está acontecendo em Mad Max: Estrada da Fúria. O mundo já aconteceu mais antes e agora segue, mas com muito mais poeira, sangue, virtuosismo cinematográfico e eletricidade vistos poucas vezes na tela nos últimos anos.

O mundo está acontecendo em Mad Max e não somos convidados nessa festa. Não temos anfitriões e a menor pista disso se dissolve rapidamente no ar. Nosso protagonista é quase um coadjuvante diante da temática real do filme. Ainda que Mad exista, seu filme não é sobre ele. Max é um catalisador involuntário da decisão por continuar lutando.

O mundo está acontecendo em Mad Max e este é um filme de ação. Assim, a gente entende que coisas acontecem de fato e 95% da fita acontece a no mínimo 80 km/h. Um bom percentual passa dos 120 e não estamos falando de Transformers. Porque não é necessariamente de edição que estamos falando.

Max (Tom Hardy) é a bolsa de sangue de um guerreiro que diz "eu vivo, eu morro, eu vivo novamente"
Max (Tom Hardy) é a bolsa de sangue de um guerreiro que diz “eu vivo, eu morro, eu vivo novamente”

Em Mad Max a gente não entende tudo, mas entende especialmente as cenas de ação. Dá pra saber o que está acontecendo na tela enquanto carros cheios de espetos explodem ao colidir com uma defensiva de homens branquelos que usam um spray prateado para “brilhar” (?). Assim, o mundo acontece e o diretor George Miller sabe onde fica cada coisa em cada plano e como a colisão (de carros, de pessoas e de mundos) vai nos encontrar. Miller edita seu filme usando 2 ou 3 planos para um carro capotando e o nosso estranhamento deveria ser como ele escolhe fazer isso hoje em dia, na era Marvel viciada em mostrar tudo isso em 10 cortes. Estamos acostumados a ver um mundo acontecer e não entender nada.

O mundo está acontecendo em Mad Max e nós estamos colidindo com ele. O estranhamento é constante porque quando se pega um trem andando, a gente automaticamente entra no ritmo e só depois vai entender. A escolha radical quanto a isso nos leva a perguntas e dúvidas sobre aquele universo. Não são questionamentos como de quem quer todas as respostas, mas daqueles de quem quer se aprofundar naquela mitologia. Há quanto tempo o mundo está acontecendo dessa forma? O que houve com esses branquelos? Por que o leite? Quem são esses vilões e como eles chegaram onde chegaram?

O mundo de Mad Max está acontecendo e não há deus algum acontecendo. Em um dos momentos extremos da história, uma menina faz gestos repetitivos que parecem uma oração. “O que você está fazendo?”, pergunta a amiga. “Orando”, ela diz. “Para quem?”, “Para quem estiver ouvindo”.

“Porque, passando eu e vendo os vossos santuários, achei também um altar em que estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO” – Livro de Atos 17:23

FURY ROAD
Charlie Theron, a Imperatriz Furiosa: o desejo de se redimir e deixar um legado colide no deserto.

 

E nesse mundo brota uma gota de esperança no deserto que colide frontalmente com a indiferença e a apatia. A redenção nesse mundo é de sangue e legado. O sangue de Max e o desejo de um legado redimido da Imperatriz Furiosa. A luta é por se transformar e tentar mudar o futuro, crescendo na jornada como quem deseja se entregar à essa missão a qualquer custo. A Imperatriz Furiosa quer transformar o mundo de outras mulheres e tirá-las da escravidão; Max apenas corre e foge porque é isso que tem que fazer. Para ele, esperança é pura perda de tempo. Até que o mundo acontece também para Max. O errante preocupado apenas em sobreviver, como ele mesmo afirma nos primeiros segundos de filme, se descobre tendo empatia à jornada de Furiosa e se evidencia como potencializador de esperança – que nem ele mesmo acreditava. “Esperança é um erro”, ele dizia. “Vamos voltar e enfrentar”, ele diz agora.

O mundo está acontecendo em Mad Max e esse apocalipse é o nosso apocalipse. Hoje, mulheres são traficadas como escravas sexuais. Hoje, a mulher luta para ter papel efetivo na sociedade, em igualdade de gênero. Hoje, Mad Max está acontecendo e o mundo de Mad Max é o nosso mundo – quantas Imperatrizes Furiosas você viu por aí hoje?

O mundo está acontecendo fora de Mad Max e a gente está apenas deixando acontecer. “Esperança é um erro” diz o mundo.

MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA (2015, George Miller – Warner Bros)
[rating=5]