Como David Bazan, do Pedro The Lion, largou a fé e continua inspirando cristãos?

Considerado um dos 100 maiores compositores vivos pela Paste Magazine (2006), David Bazan é uma dessas figuras indispensáveis para compreender o clima de uma época. E nesse caso, através da sua celebrada banda Pedro The Lion, representa algo que foi relativamente inédito ao longo dos últimos trinta anos de cultura pop que circula o universo cristão. Sempre houve artistas que chamaram atenção da mídia especializada “secular”, mas os trabalhos de Bazan são sempre classificados como aqueles que romperam a barreira da crítica: eram elogiados por conteudistas cristãos ou não. No filme Strange Negotiations (disponível para aluguel no Vimeo On Demand, sem legendas), Bazan tem essa jornada documentada a partir da sua visão melancólica e de inúmeros registros pessoais da própria carreira.

Seu projeto musical começou os trabalhos em 1995, no auge e na terra do grunge americano: Seattle. As influências são claras no som soturno, que é especialmente marcado pela voz rouca do seu vocalista e compositor.

Muitas vezes colocado na mesma prateleiras de bandas como Jars of Clay, Sixpence None The Richer, mewithoutYou e Switchfoot, Pedro The Lion ocupava esse lugar nas páginas de curadoria musical dadas a uma cultura dita cristã, mas não aquela para ser cantada na igreja. Eram os filhos de selos como a Tooth and Nail e de festivais como o Cornerstone.

E foi através do primeiro trabalho solo, Curse your Branches (2009), que Bazan deixou claro que não estava rompendo apenas com essas prateleiras, mas também com o próprio cristianismo.

A partir de um relato temporário específico e temático da vida do cantor, o doc Strange Negotiations é habilidoso em mostrar que esse hiato acabou por se tornar um vale sombrio em sua vida, mas sem histórias previsíveis. Claro, hiato porque (spoiler alert) o Pedro The Lion voltou definitivamente à ativa com Phoenix, álbum lançado em 2019.

Bazan se apresenta na casa de fãs em turnê para poder se sustentar. Tomado por sequências do cantor contando sua história ao carro, o documentário mostra como é esse vale: sua carreira solo nunca deslanchou em verdadeiro sucesso, o que inevitavelmente se refletiu em problemas financeiros. E para conseguir bancar a família, formada por sua esposa e dois filhos, o compositor viajou de carro e sozinhopelos Estados Unidos por alguns anos cantando, literalmente, de casa em casa.

Os fãs organizavam apresentações minimalistas e ali ele tocava algumas músicas, respondia algumas perguntas e vendia alguns LPs. As perguntas separadas na edição do filme sempre passam pelo universo esperado: como você se sente tendo fãs ainda cristãos tendo abandonado a fé? Como você se sente sempre sendo tão questionado sobre a igreja?

O samba de uma nota só do interrogatório não desagrada Bazan. Pelo contrário, em uma das respostas ele afirma que a igreja parece não se cansar de trazer assuntos para que ele continue falando dela – o assunto da época era o relacionamento intenso com a eleição de Donald Trump. E em outras entrevistas, comenta sobre como acha que nunca conseguirá se livrar do imaginário evangélico que o cerca por uma razão simples: ele é filho desse movimento, e por mais dissidente que seja, filhos não perdem o vocabulário facilmente.

Respostas assim surgem em papos diversos como no podcast The Liturgists e, no episódio registrado, ele é entrevistado por uma das figuras que recentemente ficou conhecida por uma jornada similar: Michael Gungor. Hoje, com mudança de nome e guia espiritual, Vishnu Dass (como agora se chama) tem lançado trabalhos musicais ao melhor estilo world music, focados em meditação e transcendência. Bazan faz um estilo mais agnóstico e menos exótico que Gungor – que saiu de um extremo a outro tão rápido que nos faz inevitavelmente pensar no meme “that escalated quickly”.

É claro que voltar às origens e retomar os trabalhos do Pedro The Lion é o grande silver lining do documentário, que termina nesta nota positiva e esperançosa. O assunto mais complexo do filme, contudo, está longe de ser o vale financeiro ou a retomada artística.

No grande clímax do segundo ato da história, Bazan admite que por algum tempo, enquanto estava à frente da banda, tocando em festivais cristãos, passou por um momento muito mais confuso. A dependência alcoólica foi uma questão evidente, que não era escondida pelo compositor antes do documentário. Bazan relata que chegou ao ponto de trocar um galão de cinco litros de água por vodka ao se apresentar no Cornerstone em 2004. O caso é relatado no documentário, mas foi assunto já na época, em matéria do Washington Post, que chamou o festival de Hallelujah Palooza.

Fato é que não há nenhuma hipocrisia no caso relatado, mas não espere a confissão de um pecado – Bazan já não vê a coisa assim. Ele fala sobre como isso afetou sua carreira, mas especialmente a relação com sua esposa e filhos e sobre como isso foi um ponto de virada em sua jornada para não apenas largar o álcool, mas também outras drogas, como “a eternidade” – como ele canta na excelente “Clean Up” do álbum mais recente:

I tried eternity and a couple of other drugs
Such a romantic place to hide from taking my lumps
I still get overwhelmed and think about giving up
‘Til I remember the gospel of.. [clean up]
Diante do último álbum e das declarações no documentário, Bazan parece seguir escrevendo sobre o que sempre o perturbou: suas próprias certezas e as hipocrisias que sempre nos cercam. Muito mais interessado em perguntar do que responder, a criatividade de Bazan segue tão transparente quanto inspiradora. É só conferir esse baita show aqui na KEXP: