Charlie, Charlie, por que me desamparaste?

Não importa se era apenas um viral, a brincadeira foi suficiente pra se popularizar entre adolescentes a ponto de causar tumulto em uma escola no estado do Amazonas. Assim como já foi com o copo, ou então o compasso, para os que já possuem algumas primaveras a mais.

Oráculos, bruxos, cartomantes, médiuns, durante a época de Cristo já era comum os adivinhos e os falsos profetas. Não importa quando, nem onde, o homem sempre recorreu àquilo que julgava ser a comunicação com o sobrenatural.

“- Charlie Charlie, você está aqui?”, provavelmente depois de um “sim” as perguntas seguintes seriam acerca do além vida e previsivelmente desaguariam em alguma dúvida do conjurante. “Ela ainda me ama?” “Devo sair do meu emprego?” “Como posso ter mais sucesso?”, ad infinitum.

Curiosamente, a brincadeira de Charlie consistia em montar uma espécie de bússola sobrenatural para que o suposto espírito apontasse a resposta correta. Eis que ela representa tudo aquilo que falta para nós, seres de cognição limitada, ao buscarmos esse tipo de reposta: um norte.

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Deus, me mostra o caminho a seguir! / Senhor, guia-me nos teus desejos! / Jesus, revela-me o que fazer!

Silêncio é a resposta mais comum. Cortante e esmagador, somente quebrado pelos sons de carros na rua, enquanto você permanece de joelhos noite após noite, repetindo tais frases quase como um mantra.

Todo mundo anseia por um propósito claro, nítido, não importa qual seja.

Aquela pessoa parece legal, e aquela, e aquela outra, e tantas até que surge a que possui um jeito diferente. De repente, as demais somem e só aquela importa. Ponto, foco, propósito, mas “e por que ainda não apareceu uma pessoa assim pra mim?

A internet é abarrotada de TED’s, páginas de facebook, memes, textos e mais textos sobre o fim do trabalho sem sentido e encontro com a verdadeira paixão. Olhos cansados, noites mal dormidas, empréstimos, loucuras, mas um sorriso estampando no rosto a satisfação de fazer o que foi destinado a fazer. Direcionamento, sentido, prume, mas “e eu que não descobri ainda o que quero fazer?”

Nada mais angustiante que estar à deriva.

Apenas um homem sabia seu propósito desde o nascimento, sabia que iria findar numa cruz e, quando finalmente cumpria esse propósito, foi tomado de um sentimento tão forte que o fez proclamar:
“- Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”

Jesus encarava ali a morte, toda a angústia e sofrimento sobre seus ombros, e bradando à Deus por uma resposta Ele ouviu o de sempre:

Silêncio.

Rompido, talvez, pelo grande brado que Ele mesmo deu antes de expirar.

Três dias de puro mistério para a mente humana. Por onde vagou Cristo durante esse interstício? Por onde ecoaram as preces dos que os seguiam?
“- Jesus, Jesus, por que nos abandonaste?”

Silêncio.

Dessa vez rompido pelo mover de uma pedra que selava um sepulcro.

Se cercado por água de todos os lados, e já com os remos largados por não saber pra onde ir, talvez seja o momento de parar de perguntar e fazer a única coisa que dá pra ser feita nessa hora:

Apontar pra fé, e remar.