Já era tarde, a rua calma em que morava realçava o barulho das chaves enquanto ele abria o portão para entrar em casa.
Era um prédio de três andares que tinha seu próprio charme bucólico em meio à cidade, graças ao arco verde que ornava a entrada e às varandas de uma madeira já gasta – o verniz descascando era quase proposital, parecia que era renovado sempre em quantidade menor que a necessária.
Subiu as escadas já imaginando o que lhe esperava; tentava disfarçar o sorriso no canto da boca. Pareço um idiota rindo sozinho – pensava, mas sem o menor receio de encontrar um dos outros dois vizinhos enquanto ostentava aquela fisionomia quase desconexa da realidade.
Ao chegar em casa, percebeu como ainda era cedo. Tinha saído tão contemplativo do trabalho que passou pela cidade sem perceber que todos pareciam vivenciar um clima diferente, uma aura de alegria que irrompia e exalava das pessoas.
Deixou as compras em cima do balcão, fez os preparativos iniciais para o jantar e decidiu tomar uma ducha fria para despertar. O dia seguinte era um sábado e não haveria expediente para ele, ou seja, a noite prometia e parecia que iria se estender até a madrugada.
Hoje vai ser uma maratona! – ele novamente riu ao perceber que a frase não tinha ficado só na sua cabeça, tinha falado alto e sozinho no banheiro. Riu de si mesmo – Que se dane! Hoje eu tô feliz mesmo!
Terminou o banho e se arrumou e nesse tempo o sol já havia terminado de se por. Uma necessidade surgiu de repente e um leve pânico espremeu seu peito:
Velas! Eu preciso de velas! – dessa vez o pensamento ficou só em sua cabeça, martelando uma preocupação que parecia suplantar toda aquela alegria de minutos atrás.
Merda! Merda! Merda! Onde estão as velas? Felizmente ainda havia um pacote fechado que sequer recordava ter comprado. Eram 12 e seriam mais que suficientes.
Acendeu oito delas. O tom alaranjado percorreu sua cozinha/sala e pareciam mesclar com o cheiro da lasanha que saía do forno. Pôs a mesa como que no automático, checou se a lasanha já estava no ponto, abriu a geladeira e arrancou de lá uma cerveja trapista especialmente reservada – aquela não era uma casa chegada à vinhos.
Olhou pra aquela cena montada: a luz, o prato, a mesa posta e organizada, ele tomado banho e cheiroso, sentiu um certo orgulho, até que recebeu uma mensagem em seu celular e reparou na data do dia.
A risada explodiu antes que ele pudesse experimentar o primeiro gole da cerveja e ele se sentiu na obrigação de comentar isso alto, mesmo sozinho:
– Dia dos Namorados e eu jantando sozinho… E no escuro!
Pelo menos a mensagem era do vizinho de baixo:
“Desliguei a chave geral pra trocar umas tomadas aqui de casa, mais meia hora e ligo de volta”.
Ufa! – pensou aliviado – já imaginou perder a estreia da terceira temporada de Orange is the New Black?