Lar doce lar, onde ele está? – por Romina Cácia
Quando alguém te pergunta sobre seu lar, o que isso provoca em você? Quais são as imagens que vêm à sua mente? Quais sentidos são aguçados? O que mais reverbera: memórias, seu momento atual ou sonhos? Seu GPS mental lhe carrega para um lugar específico ou produz um mix com os melhores momentos de CEPs distintos? Sentir-se em casa é sinônimo de estar num lugar específico ou um sentimento que desconhece coordenadas geográficas?
As respostas são pessoais e podem variar ao longo de nossas vidas, mas entre as diferentes perspectivas dessa área de estudo, existe um ponto de intersecção: lar não é apenas uma estrutura física. É um lugar que satisfaz necessidades como a autoexpressão, lembranças, separação do espaço público; que protege e nutre; e que lhe deixa à vontade para desligar o desconfiômetro, além de lhe dar asas para ser quem você é.
“Um lar também é um processo de (re)construção que reflete tanto nosso emocional, como nosso esforço em sobreviver às tais dores e delícias da vida”
Entretanto, para tornar-se lar, uma estrutura física não depende apenas dessas características, mas precisa ser capaz de servir como base para um significado pessoal ou social. Existem pessoas que moram em lugares que nós dificilmente nos arriscaríamos em chamar de lar, mas que lhes parecem perfeitos. Do mesmo jeito, há outras que mesmo morando em boas propriedades, não se sentem em casa. Ter um teto não significa ter um lar e vice-versa. A ONU deixou essa questão um pouco mais clara por meio de um documento do seu programa para assentamentos humanos.
“Não ter lar pode ser visto como uma condição de distanciamento da sociedade caracterizada pela falta de laços afetivos entre as pessoas e estruturas físicas. A falta de um lar carrega implicações de pertencer a lugar nenhum, e não simplesmente ter onde dormir.” (tradução livre de trecho do UNCHS/Habitat, 2000)
Enquanto o aspecto material está relacionado à estrutura física, o espacial refere-se à rotina dos moradores; de que maneira cada espaço é apropriado como um espelho de suas relações sociais fora de casa . O hábito de reunir-se ou não para as refeições, o cômodo para conversas ou segredos, como e onde são tomadas as decisões, a necessidade de grades, rituais domésticos, etc.
Já percebeu como às vezes aquele jeitinho que você dá onde mora é justamente o que te faz reconhecer aquele como o seu lugar? Como e o quanto, sem querer, a maneira como você organiza a vida doméstica diz sobre você? Um lar também é um processo de (re)construção que reflete tanto nosso emocional, como nosso esforço em sobreviver às tais dores e delícias da vida.
“Se você fechar seus olhos, quais imagens do seu lar se sobressaem? Quais delas você sente mais falta ou valoriza mais?”
A relação entre nossos sentimentos e o que identificamos como nosso lar é tão importante, que em casos de experiências traumáticas (refugiados, violência, abusos, etc), trabalhar esse lado psicológico é um dos pontos-chave para que se sentir em casa tenha um sentido positivo novamente e seja um refúgio dos maus sentimentos.
O últimos dos quatro aspectos também está relacionado à dimensão emocional, mas refere-se às memórias visuais. Se você fechar seus olhos, quais imagens do seu lar se sobressaem? Quais delas você sente mais falta ou valoriza mais? Essas memórias podem ser tanto sobre o seu passado, seu presente ou seu futuro; com o lar dos seus sonhos.
Árvores podem lhe lembrar do cheiro doce da sua terra natal, carros e gente pela calçada podem lhe fazer recordar como sua cidade preferida nunca para (ou justamente o contrário), policiais podem lhe fazer sentir seguro ou com medo, assim como comidas podem resgatar sentimentos que você nem suspeitava ainda ter. E essas lembranças podem ser tanto de algo palpável como de lugares sagrados do nosso passado que já não são mais possíveis de serem revividos.
Por isso, sentir-se em casa/ter um lar é crucial, não apenas pela proteção sobre nossas cabeças, mas para usar como referência nos nossos desafios diários, construir nossa identidade e reconhecer nossas singularidades, escapar quando precisamos de força e sobrevivermos como indivíduo.
Lar – por Talita Ribeiro
“Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada…”, lembro-me da canção infantil ao pensar na situação de muitos refugiados sírios e iraquianos, desde àqueles que podem pagar um aluguel, mas não conseguem comprar móveis, até os que vivem em barracas improvisadas.
“No horizonte, os picos das montanhas já estão cobertos de neve e anunciam, a cada ventania, que o inverno está chegando e trará com ele temperaturas negativas”
Da mesma forma, não é fácil viver com diversos parentes dentro de um contêiner adaptado no campo de refugiados cristãos em Erbil. E há ainda os que tiveram que invadir um dos inúmeros prédios inacabados do Curdistão e montar ali a sua barraca, feita quase sempre de lona e tapetes.
Na estrada, não é raro encontrar também as “estufas de gente”, com pessoas vivendo nas estruturas circulares, que antes protegiam as plantas do frio. No horizonte, os picos das montanhas já estão cobertos de neve e anunciam, a cada ventania, que o inverno está chegando e trará com ele temperaturas negativas. Resta saber como ou se essas pessoas sobreviverão a ele, já que aquecedores são artigo de luxo para quem, muitas vezes, não tem nem o que vestir ou para onde ir.
“Lar” é uma crônica de Talita Ribeiro, publicada originalmente em seu vlog Viagem e Voo, com autorização da autora. Talita é escritora do livro “Turismo da Empatia” que está em campanha no Catarse.