[dropcap2]H[/dropcap2]á o que se achar, sem sombra de dúvida, de toques divinos espalhados por aí na arte. Aos que se dedicam ao ouvir, por exemplo, a boa música feita no Brasil, é comum encontrar o belo. E, pra mim, belo é um “pedaço de Deus” deixado por Ele mesmo, em algo que a gente usa os sentidos para perceber.
Lenine, em “O dia em que faremos contato”, CD lançado em 1997, lançou a música “A Ponte”. A mesma composição entrou no ótimo acústico da MTV que lançou em 2006. No refrão da música, podemos ler:
[quote_box author=”Lenine” profession=””]”Como é que faz pra lavar a roupa?
Vai na fonte, vai na fonte
Como é que faz pra raiar o dia?
No horizonte, no horizonte
Este lugar é uma maravilha
Mas como é que faz pra sair da ilha?
Pela ponte, pela ponte”[/quote_box]
Interessante perceber que, assim como na poesia de Arnaldo Antunes (“Sois sois”, com outra estética, claro) que, em breve, Pedro publicará aqui artigo em que a analisa, nessa música do compositor pernambucano, podemos encontrar referência ao mesmo princípio Bíblico. Cristo disse: “vós sois luz do mundo”. Ora, o versículo faz referência a alguém que ilumina o que está escuro e, dentre algumas possibilidades de interpretação, também podemos encontrar a referência de que, quem tem a luz, é guia.
Lenine, no verso “mas como é que faz pra sair da ilha?”, faz metáfora sobre determinada situação do humano: estar ilhado ou alienado. Lembremos, facilmente, de Platão e seu mito da caverna, em que homens estão presos no interior de uma e, ali, vêem apenas sombras do mundo real, acreditando que aquilo é a verdadeira representação do mesmo. São diversas as situações em que não vemos por completo uma realidade. O assunto foi extremamente discutido com a Matrix de Hollywood. Descobrir que você está preso a uma “realidade parcial” ou uma “virtualidade” tornou-se um assunto comum no ano 2000.
Na Ponte de Lenine, podemos encontrar a mesma discussão (e pelo ano do lançamento vemos que veio antes da data em que se estouraram os debates com maior intensidade sobre real/virtual). É possível sair de uma ilha, caverna, alienação? Sim, através de uma ponte. Que ponte é essa? Para Lenine a ponte é metáfora para a mente: “A ponte não é de concreto, não é de ferro / Não é de cimento / A ponte é até onde vai o meu pensamento”. Mas, aqui, quero trazer nova perspectiva.
Ora, se nós, como cristãos, somos luz do mundo também na perspectiva de guias para aqueles que estão com os olhos vendados ou com a cosmovisão condicionada apenas por sombras na parede de uma caverna, não seríamos também, Ponte? Pois a estrutura metálica que podemos ver hoje em diversos lugares do mundo, serve para conduzir pessoas para um outro lugar. Que lugar é esse, seguindo a linha de raciocínio? Transcender o olhar e descobrir a beleza da relação com o Criador? Sim, não posso fugir disso. Somos ponte, guias, luzeiros, para diversas coisas. Podemos apenas mostrar a um estudante da alfabetização uma nova letra ou uma forma diferente de realizar uma operação matemática. Mas existe mais. Assim como existe mais além da “ponte-mente” citada por Lenine em sua música.
Construir pontes para que as pessoas transcendam e descubram a eternidade do amor do Eu Sou não é “nossa tarefa”. Isso é nosso caminhar, é nosso viver. Isso deve estar tão claro como é claro que uma ponte é o caminho que vai de um lugar ao outro sobre águas de um rio, mar, ou de um enorme canyon. Naturalmente, ponte.
Sois ponte?
Originalmente publicado no blog Diversitá em janeiro de 2007.