“Master of none” é uma expressão da língua inglesa que geralmente é usada junto a “Jack of all trades”. Se a segunda poderia ser traduzida para o português como “pau pra toda obra” ou o famoso “faz tudo”, a primeira trata de denotar um sentido ruim a ela: “fulano é pau pra toda obra, mas especialista em coisa nenhuma“.
O estereótipo passa por diversas camadas: desde o jornalista que precisa entender de tudo um pouco para escrever sobre vários assuntos diferentes; até o seu Zé que você já contratou para, num mesmo dia, instalar uma nova tomada e desentupir o vaso sanitário.
Acontece que todo o conhecimento dos dois parágrafos acima foi adquirido em duas leituras rápidas da Wikipedia, o que quer dizer que existe uma considerável possibilidade dessa informação estar incompleta ou consideravelmente errada. Esse recurso, fatalmente utilizado com frequência, resume bastante do espírito de Master of None, série da Netflix criada por Aziz Ansari e Alan Yang.
Somos um tanto assim, tais quais os personagens da série: pesquisamos rapidamente informações que precisamos para um melhor debate no Facebook; usamos o TripAdvisor para saber em qual hotel escolher; e, tantas vezes, usamos a conversa de bar como referência bibliográfica para responder as dúvidas da próxima conversa de bar.
Dev Shah, protagonista da série interpretado por Aziz Ansari, é um ator americano descendente de indianos buscando um lugar ao sol entre comerciais de TV e filmes de ação medíocres. Claramente um ator emperrado, Dev constrói sua carreira (e é até famoso) pelo número de comerciais que fez, pulando de marca em marca, sem conseguir evoluir ou virar um ator de cinema ou televisão.
Em seus shows de stand-up comedy e entrevistas na TV, Aziz (o ator que interpreta o ator) sempre satiriza a ausência de minorias na cultura pop. Para responder a esse modus operandi, roteirizou os amigos de Dev da seguinte forma: um asiático bonitão, uma negra lésbica que está sempre se dando bem e um branco estereotipado. Sim, “seguindo a regra” das comédias em que um indiano, asiático ou negro é sempre o alívio cômico meio idiota (como Raj em The Big Bang Theory), a escolha aqui foi sem pena. De longe pode até soar como um backfire pronto para acontecer, mas não é bem assim.
“O riso vem nervoso de embaraço ou pela identificação com bobagens que todos têm em suas vidas mas não fazem virar posts no Facebook”
Aziz Ansari, como front man da obra, deixa bastante clara a semelhança entre as temáticas abordadas e seus textos de stand-up: estão lá os preconceitos com minorias, o assédio vivido por mulheres no dia a dia, a dificuldade de conseguir manter um relacionamento, o conflito geracional com os pais (estrangeiros ou não). Cheia de pequenas tiradas geniais sobre esses temas, a série, entretanto, não vai te fazer rir como em um show de stand-up ou uma sitcom típica da TV. O riso vem nervoso de embaraço ou pela identificação com bobagens que todos têm em suas vidas mas não fazem virar posts no Facebook, como no excelente episódio “Mornings”.
Essa humanidade que permeia a série não deixa de revelar suas notas fora de tom (com episódios não tão convincentes) ou mais melancólicas: Dev, como um especialista em coisa nenhuma, é como alguém que parece absorver um tanto de cada realidade que o cerca, sempre pedindo conselhos e tomando decisões baseadas no argumento mais convincente dos amigos.
Tal qual algumas das melhores obras do cinema, literatura ou televisão, as imperfeições de Master of None é que fazem da série um produto que te fisga e entrega uma das experiências mais estranhamente interessantes do formato.
https://www.youtube.com/watch?v=ROATnkhOPfk