Comumente associada à ideia de liberdade temos a representação de um corcel galopante pradaria adentro, cheio de força, vigor e o mundo inteiro de planície.
BoJack Horseman é um cavalo no universo urbano antropomórfico de Hollywoo – assim mesmo, sem o “d” final – que adentra sua segunda temporada na Netflix com fama, dinheiro e completamente preso em sua profunda tristeza e irremediável frustração.
Os primos animados mais próximos da série talvez sejam Archer e Laboratório Submarino, dos quais ela bebe do cinismo e o humor nonsense. Mas de maneira deliciosamente metalinguística tudo não passa de uma capa que, assim como seu o protagonista, esconde seu interior sensível e melancólico.
Não é sobre contar piadas e soltar pitadas de seriedade, mas uma trajetória que reconhece a própria miséria e usa do humor como uma forma de defesa.
Não é sempre que você consegue desviar de tudo que rodeia a vida de BoJack – afinal, tem muita coisa bem trabalhada – e olhar diretamente pra tudo aquilo que o roteiro está lhe contando por debaixo dos panos.
Até mesmo porque quando você o faz acaba agradecendo por todas as distrações, pois as angústias que aquele animal vive são tão humanas e conectam numa profundidade tão grande que incomodam, e incomodam bastante.
Já na abertura o olhar vazio de BoJack mostra mais um dia transcorrido, mas não vivido; ele não fita o vazio, mas procura aqueles que também se identificam com a mesma sensação, como que para dizer: “- não estou sozinho, você também?”
Mas toda essa personalidade destrutiva e implosiva já havia sido exposta na primeira temporada, apontando para o início de uma jornada de redenção. Mas BoJack cai.
E essa humanidade fascina por que é real. É comum pensar em redenção, obstáculos e lutas como uma escada, um degrau por vez, mas não é e Horseman mostra isso. O recomeço do personagem é muitas vezes uma oportunidade para que cometa os mesmos erros e se prenda nas mesmas armadilhas das quais tenta se desvencilhar. BoJack cai, e cai de novo.
Em um desses rompantes de mudança ele está completamente aparelhado para iniciar uma vida saudável… e na primeira ladeira cansa e volta. É essa volta que normalmente não nos é contada na metáfora da escada.
É normal voltar à estaca zero, é comum retornar ao fundo do poço quando já parecia estarmos na metade dele.
Enquanto pausa cansado na metade da ladeira BoJack se vê facilmente ultrapassado por um babuíno (lembrem do antropomorfismo da série) que a sobe tranquilamente.
E no que parece uma provocação da série a seu protagonista, em todo take da rua de BoJack o babuíno corredor está presente. Incansável, contínuo.
A metáfora da ladeira soa bem adequada à nossas vidas. Qualquer corpo repousa em um degrau no meio da escada, mas a tendência da ladeira é simplesmente empurrar de volta quem para no meio do caminho.
E essa é a frustração e a melancolia de BoJack, cativante por que também é nossa. Só é possível estacionar no “antes” ou no “depois”, o durante é caminhada, subida, esforço. E quando caímos, voltamos.
Não existe pausa, só recomeço.
Na saúde, nos negócios, nos estudos, na fé; cair sempre nos abate, tudo aquilo que deixamos para trás com tanto esforço novamente está à nossa frente, esperando por mais uma subida.
E a perseverança? Como continuar tentando se a cada queda acumulamos mais e mais frustrações?
É na cena final da temporada (mini spoiler adiante) onde finalmente vemos BoJack conseguir subir a ladeira e desabar de cansaço em seu topo. Já à beira de um desmaio, surge mais uma vez o babuíno corredor e compartilha com o protagonista – e também conosco – o segredo:
“Fica mais fácil. Todo dia fica um pouco mais fácil. Mas você tem que continuar vindo, essa é a parte difícil.”
Se hoje você voltou pro começo da ladeira, fica então o estímulo: amanhã fica mais fácil, mas você tem que tentar todo dia.
E se o BoJack não servir, também tem Paulo:
“Não só isso, mas também nos gloriamos nas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz perseverança; a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança. E a esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu amor em nossos corações, por meio do Espírito Santo que ele nos concedeu.
Rm 5:3-5”