Talita Ribeiro é uma jornalista acostumada a viajar e conhecer novas realidades. Tendo trabalhado nos últimos anos com o setor de jornalismo voltado a viagens, não dá pra dizer que ficar longe de casa é algo muito trabalhoso pra ela. Aos 28 anos, já esteve em Cuba, Atacama, Bariloche, Roma, Estados Unidos, Israel e tantos outros lugares do Brasil e do mundo.
Em maio do ano passado, Talita se deparou com a foto de uma mulher que, fugindo da realidade de sequestro e mortes do ISIS, foi clicada retirando o niqab – um dos tipos de véu preto que cobre sua cabeça e todo corpo, só deixando o rosto à mostra.
– Embaixo da niqab ela usava um vestido muito colorido. E a cena era linda, passando uma liberdade muito grande.
Tendo conseguido fugir do grupo terrorista, a mulher estava cruzando a fronteira da Síria em direção ao Curdistão. O nome do lugar chamou a atenção de Talita e, fazendo pesquisas online, um mundo desconhecido apareceu. Interessada pela temática do emponderamento feminino, ela descobriu que entre os curdos há mulheres que fazem parte da luta armada contra o grupo terrorista. Mais que isso, conheceu a realidade de uma luta feminista islâmica, algo inimaginável para ela até então.
– Na Síria, uma geração de homens tem deixado mulheres viúvas ou sozinhas por morrerem na guerra ou partirem sozinhos em busca de uma vida melhor na Europa.
A foto e essas informações provocaram o efeito imediato de querer conhecer tudo aquilo de perto. Era uma decisão que deixaria muita gente surpresa: Talita queria não apenas visitar o Oriente Médio por um mês inteiro, mas conhecer de perto a realidade dessas mulheres e dos campos de refugiados onde várias delas estão fugindo da guerra civil da Síria e região.
A rota passaria pelos países onde seria possível visitar, com risco “controlado”: Iraque, Turquia e a região da Jordânia. A jornada, obviamente, não poderia ser feita totalmente sozinha. Em contato com instituições missionárias e ONGs que atuam na região, Talita montou um roteiro onde conheceria de perto famílias que vivem diariamente cercadas pela pobreza dos campos, o medo da guerra, o medo do ISIS.
Seu mês de novembro foi imersa nessa realidade e como todo viajante atento, as descobertas foram além do roteiro. Talita registrou sua viagem em fotos e crônicas que a ajudavam a botar pra fora parte da sobrecarga de sentimentos que toda aquela realidade trouxe.
Em campos de refugiados e regiões de muita pobreza no Irã, ela viu de perto barracas de lona abrigando famílias com crianças que conseguiam brincar em meio ao caos. Sem um lar real, vivendo na terra de ninguém, refugiados muçulmanos reconfiguraram o mundo de uma brasileira.
– Eu acompanhava os missionários que me receberam nas visitas às casas das famílias e comecei a me interessar muito pelas crianças. E brincando com elas eu percebi que tinha coisas que a guerra não destruía.
Talita conta que descobriu o que é empatia, de verdade, quando conheceu uma menina síria chamada Sansa, que tinha por volta de 5 anos de idade. A garota tinha uma cicatriz grande e visível no quadril, devido a uma cirurgia. Sansa teve que atravessar a fronteira para fugir da guerra a pé, com seu problema na perna.
As duas brincavam quando Sansa percebeu que Talita usava um curativo para esconder uma tatuagem com inscrições em hebraico. A menina achou que aquilo era um ferimento como o seu e passou a falar para a brasileira que ela ia melhorar, que estava tudo bem, que não precisava se preocupar.
– Uma menina que teve que atravessar a fronteira a pé, que não sabia se ia ter comida na próxima semana, estava sinceramente se colocando no meu lugar e pensando em como fazer eu me sentir melhor.
Naquele lugar, Talita percebeu que aquela não era uma viagem onde uma estrangeira vai a um lugar de guerra e fica sentindo pena das crianças, mas uma troca. Ela estava ali, o tempo todo, se descobrindo na dinâmica da empatia.
– Ali eu percebi que minha viagem ‘geográfica’, para conhecer atrações, mas pra conhecer pessoas, para conhecer histórias e me aproximar delas.
Na sua visita ao Iraque, ela foi impactada por um campo de refugiados formado por 25 mil pessoas. Toda essa população sem pátria vive, como em tantos outros campos espalhados pela região, debaixo de barracas de lona com poucos colchonetes como mínimo de conforto.
As crônicas que ela vinha escrevendo para compartilhar a experiência com os familiares, a partir dali, formariam o livro Turismo de Empatia, que busca financiamento coletivo no site Catarse.
– Eu queria que o máximo de pessoas possível pensasse sobre os refugiados de uma forma mais empática. Se colocando no lugar do outro a gente não ajuda por culpa.
SEM PÁTRIA, SEM LAR
A realidade dos campos de refugiados é assustadora e as limitações saltam aos olhos. Em um dos lugares que Talita esteve, 25 famílias tinham que dividir 5 banheiros, sendo cada uma delas com uma média de 6 pessoas. Algumas, que não conseguem mais espaço nos campos, vivem improvisam acampamentos em estufas de plantações no meio da estrada.
Mesmo em meio a essa realidade onde a esperança parece se esvair totalmente, a brasileira encontrou hospitalidade e uma receptividade que transcendia a poeira e a escassez. Sempre que se visitava uma tenda, alguém oferecia um pouco de chá ou café.
– Nessas horas você pensava: esse açúcar que ele está adoçando meu chá vai fazer falta pra ele. E eles faziam questão que você tomasse, porque ali era onde eles estavam reunidos então eles te recebiam como se fosse a casa deles.
O lugar de residência, assim, não era um sentido necessariamente físico, mas um sentimento, um jeito de se colocar no mundo diante do outro. Tratar bem, receber bem, cuidar bem do chão de terra batida, era parte do ritual de fazer nascer, em qualquer lugar, um lar:
– Eu percebi que essas pessoas guardavam o conceito de lar dentro delas. “Lar” não era mais o espaço físico, mas onde estavam as pessoas que elas amavam, a família que conseguiu fugir unida.
FINANCIAMENTO COLETIVO
Ao voltar para casa com a ideia do livro, Talita sabia que o projeto não seria fácil de acontecer. Fazer um financiamento coletivo poderia ser a melhor solução, mas ainda assim seria necessária a ajuda de mais pessoas que se dispusessem a tornar o projeto ainda mais especial.
– Surgiu ilustrador, diagramador, revisor, editor. Todo mundo se dispôs a ajudar de forma voluntária.
O livro Turismo da Empatia já alcançou mais de 95% da meta no Catarse e o lucro será revertido para diferentes projetos de apoio a refugiados, como a Família Aziz, que atua na Jordânia. Após a finalização do financiamento, que termina no próximo dia 6, serão feitos lançamentos em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Goiânia.