Enquanto escrevo este artigo, voluntários da ONG Rio de Paz, recolocam no lugar cruzes em frente a covas cavadas como forma de protesto nas areias da praia de Copacabana no Rio de Janeiro. Elas foram derrubadas por um apoiador do Governo Federal que achou que poderia interferir em um protesto pacífico e simbólico, como são todas as manifestações realizadas pela organização. Os voluntários permaneceram inertes, aguardaram que seu show de horror autoritário acabasse e começaram a reerguer tudo para o comum registro fotográfico e audiovisual pela imprensa.
A Rio de Paz é uma voz dos desprezados e auxílio aos excluídos há 13 anos e é filiada a ONU. Mais que ameaças, já sofreram ataques diretos, com sua sede no Jacarezinho sendo alvejada por tiros de helicóptero. Antônio Carlos Costa e sua equipe de voluntários faz apenas aquilo a que se propõe: ajudar o pobre, denunciar a injustiça.
No Brasil de 2020, que subiu as escadas da segregação e da polarização em direção a uma distopia totalitária e neofascista, nem mesmo uma manifestação pacífica passará incólume. O senhor que derrubou cada uma das cruzes fincadas na areia é o símbolo de um ódio que não tem mais vergonha. É um ódio que se orgulha de existir e, por isso, é político. É um ódio com agenda.
Mais simbólico que o ódio, entretanto, é a força inesperada que a ONG recebeu para reerguer seu manifesto: um homem, que afirmou ter perdido o filho de 25 anos para a covid-19, ajuda a recolocar cada cruz em seu lugar, a cavar cada cova. Ele não deveria estar ali, não precisava. Em luto, nem de longe esse homem merecia estar colocando mais uma vez uma cruz numa cova, revendo um símbolo da morte tão de perto. Aquele homem viveu mais que a metáfora – ele perdeu alguém. Mas como alguém que não reage ao mal da forma como o mal age diante do bem, ele se posicionou. Em vídeo, defende a manifestação. Sua grandeza cobre a alma diminuta do homem que tentou destruir um ato pacífico. Repito: pacífico.
Um protesto que cava covas e põe cruzes nas areias de um dos pontos turísticos mais famosos do mundo está construindo uma imagem. As covas de verdade, que vemos diariamente nos últimos 90 dias tomando o Brasil, são também símbolos de uma falha colossal de administração de uma crise de saúde pública. Mais que representar a dolorosa morte de quase 40 mil brasileiros, até a data deste post, simbolizam a morte de um país que se desfaz a cada dia nas mãos de um governante incapaz de sentir, de ser, de empatizar. E os incapazes de empatizar são classificados pela psicologia muitas vezes como sociopatas. Nosso presidente age como tal e por ser ineficiente em sentir a imagem que forma diante de si, se coloca diante do seu país como um genocida.
Os voluntários da Rio de Paz estão acostumados à possibilidade de serem agredidos verbalmente, mas essa foi a primeira vez que uma das suas manifestações foi atacada dessa forma. Sem chão e sem ódio, recolocaram as cruzes em seus lugares. O que eles não esperavam, era que a esperança viria sem aviso e disposta a manter a Verdade de pé: aquele homem que perdeu o filho agiu como Cristo agiria e nos lembrou onde deve estar depositada a nossa esperança.