Certa vez, um produtor de cinema disse que para um filme fazer sucesso nas telas, os roteiristas se preocupavam em escrever uma grande história. Depois, passaram a desenvolver bons personagens para mante-los através de várias histórias. Agora, tenta-se construir universos que tenham grandes personagens e grandes histórias cheias de conexões.
Star Wars sempre foi a referência máxima neste último modelo e a série original de George Lucas fez isso antes mesmo de ser uma tendência. A franquia reconfigurou não apenas o jeito de fazer filmes espaciais, mas a forma como se faz merchandising, como se transporta histórias em diferentes formatos (TV, livros, quadrinhos), como se cria narrativas complexas e cheias de aprofundamento.
“Seguindo cartilha que precede o próprio George Lucas, Abrams trouxe um retorno digno e inspirador à franquia”
Assim, fazia todo sentido contratar Abrams para cumprir a tarefa de trazer de volta o universo mais popular do cinema.
Não é difícil entender o porquê ao sair da sessão de O Despertar da Força. Tal qual seus professores, Abrams sabe muito bem que narrativas que caem no gosto do grande público são mashups muitíssimo elaborados de boas histórias que já foram contadas. Misturas visuais, sonoras, simbólicas.
E se George Lucas reverenciou o cinema de aventura dos anos 40, o cinema de samurai de Kurosawa, o faroeste de Leone e as aventuras espaciais de Flash Gordon, Abrams segue a cartilha dos seus mestres.
Está tudo lá.
“Bastante próximo de soar apenas como uma emulação, em O Despertar da Força temos novos heróis e novos vilões, temos conflitos similares, mas com desafios que parecem resolvidos de modo muito fácil”
Longe de ser um mero artesão, contudo, Abrams sabe que a grandeza do processo de Lucas é reverenciar suas paixões através da sua própria interpretação. Esta reverência, que teve parte importante exigida diretamente pela Disney (como trazer Han Solo e Chewbacca, por exemplo), se apresenta como uma versão rica e atualizada da melhor parte da narrativa da trilogia original dos anos 70/80: nos conectamos com aquela história porque ela fala conosco.
Nos episódios 4, 5 e 6 estavam três pontos essenciais em torno da jornada do herói Luke Skywalker: identificação imediata com o protagonista, a partir de suas descobertas, da sua evolução e, especialmente, da sua fragilidade; encantamento em torno das aventuras interestelares; e, por fim, a relação entre pai e filho na dualidade entre tentação e redenção.
Está tudo lá.
Reimaginado, atualizado para pautas importantes dessa geração (representação de gênero e raça), atualizado para os efeitos especiais que Lucas não pode ter em sua época (ou fez uso cegamente encantado nos prequels), e extremamente relevante para os fãs, satisfeitos com uma continuação da melhor parte da história. As audiências vibram nos cinemas, aplaudindo e gritando em cenas de ação.
Está tudo lá, assim como alguns problemas – que agora são outros.
Bastante próximo de soar apenas como uma emulação, em O Despertar da Força temos novos heróis e novos vilões, temos conflitos similares, mas com desafios que parecem resolvidos de modo muito fácil.
O interessante aprofundamento de fragilidade no novo vilão, em seus aspectos psicológicos e de habilidades físicas, acaba soando como algo que ajuda a banalizar símbolos vitais para a franquia, como o que significa ser jedi e dominar o sabre de luz. Isso fica extremamente evidente nas lutas.
E se também se constrói arquétipos políticos mais claros e fáceis de serem absorvidos, revisitando a força bélica do Império e seu desejo de domínio, a frota que luta pelo bem não parece sofrer tanto assim para conquistar seus objetivos.
Tudo isso, contudo, não ofusca O Despertar da Força. Nele não há os elementos disruptivos encontrados em Uma Nova Esperança (como George Miller conseguiu fazer revisitando Mad Max), mas existe ali uma história que mexe conosco e nos emociona. Seguindo cartilha que precede o próprio George Lucas, Abrams trouxe um retorno digno e inspirador à franquia.
O sétimo episódio de Star Wars tem tudo que mais gostamos na série e, por consequência, no cinema de aventura interestelar que virou sua metonímia. Abrams acertou. E ao contrário do que o seu mestre Lucas fez na virada do século, no seu próprio retorno à série, nos deixou querendo mais.