Este é o ano que faço 30. Vinte e sete de março de 1986, 10h45 da manhã. Dois mil e dezesseis chegou e meu problema não é exatamente com fazer trinta anos de idade. Ficar velho nunca foi um problema real pra mim e não é difícil entender porquê.
Aos 11 anos eu já tinha bigode e aos 12 ele foi acompanhado de uma sobrancelha grossa. Aos 13 as sobrancelhas deram as mãos e se uniram fazendo uma sombra inteira por cima dos óculos que resolviam minha miopia. Aos 14 eu comecei a tirar o bigode e uma barba rala estava nascendo na maçã do rosto. Aos 16 eu já fazia a barba por inteiro, enquanto ainda estava no 2º ano do ensino médio. Era anormal tudo aquilo para os colegas de classe. No máximo, um ou outro raspava o bigode para não ficar com a cara que eu tinha aos 11. Ninguém queria aquele bigodinho de cobrador na puberdade.
Isso quer dizer que eu passava por situações que alguns poucos também já enfrentaram. Quando eu tinha 12 anos e ia à igreja acompanhar meus pais no domingo, existia um culto para pre-adolescentes. Aquela faixa-etária que considera o sermão do pastor uma chatice e não tem mais salinha de crianças para aprender sobre a arca de Noé. Eu estava crescendo e meu bigodinho já estava lá.
Num desses domingos, desci e fiquei esperando no salão térreo da igreja pelo chamado para o cultinho adolescente. Enquanto esperava, um diácono me interrogou. Ele parecia estar ali fazendo uma ronda em busca de adolescentes rebeldes.
– O que você está fazendo aqui embaixo?
– Esperando o cultinho – disse, eu no auge da minha timidez pré-adolescente.
– Mas isso não é só pra quem tem até 12 anos? – questionou o diácono um tanto confuso
– Sim, eu tenho 12 anos.
“Eu tinha certeza que podia forjar minha idade em inúmeras situações, mas nunca me aproveitei disso. Acho que se eu me esforcei foi em não apenas parecer mais velho, mas realmente ser mais velho”
Eu não lembro exatamente o que ele disse depois da minha revelação – só da sua risada sarcástica. Ele olhou pra minha cara de velho, questionou se eu realmente tinha aquela idade e eu tive que usar do argumento “por que eu mentiria?” – verdadeiro, mas fajuto, claro, porque era muito fácil mentir diante de um sermão chato.
Outra vez, aos 19 ou 20 anos, quando já tinha o potencial para uma barba cheia como a que tenho hoje (mas não fui esperto o suficiente para mante-la até então), fiz uma pegadinha com uma amiga que era fácil de “tapear” durante um retiro. Eu estava sem fazer a barba há uns 3 dias e, numa conversa informal, isso virou assunto para perguntaram minha idade.
Eu pisquei o olho para alguém por perto que entenderia rápido a brincadeira, para que entrasse no jogo comigo e comecei a contar a lorota. Brinquei que tinha 35 anos, dois filhos e era separado. O olhar da amiga, diante do meu cinismo, foi de uma revelação bombástica. Para ela, era perfeitamente palatável tudo aquilo e eu construí a falácia até não aguentar mais e cair na risada.
Eu tinha certeza que podia forjar minha idade em inúmeras situações, mas nunca me aproveitei de verdade disso. Na verdade, acho que se eu me esforcei foi em não apenas parecer mais velho, mas realmente ser mais velho. Aos 18, eu queria ser mais maduro, mais experiente, entendido das coisas.
Não era coisa nenhuma, mas conseguia forjar bem, sempre utilizando o que eu tinha de sentimental e observador. Saber articular-se bem em torno dessas características fornece facilmente uma falsa impressão de maturidade. Você deve conhecer gente assim.
A verdade é que não somos maduros de verdade até que a gente viva de verdade. E talvez esse seja o meu grande problema de chegar aos 30. Perceber que na falsa maturidade precoce da minha vida, mantive o caminho errado sobre o que significa viver e aprender.
Desculpe o drama, mas essa é uma verdade dolorosa.
Esse é o tipo de verdade que eu encontro em uma das minhas canções preferidas. É uma das melhores já feitas, em todos os tempos. Feita por um canalha chamado John Mayer. Eu devo ser pior que ele, mas minha vida não é manchete nos tabloides, claro. #somostodoscanalhas
“Born and Raised” fala sobre um cara que percebeu que está virando adulto, finalmente. As coisas não estão sendo fáceis ultimamente e ele está tendo um ano pior que o outro. Vez ou outra a vida parece exigir que ele finja ser alguém que não é e isso tem sido difícil de encarar. “Ainda tenho tempo, ainda tenho fé”, diz o personagem. A canção termina lembrando:
“Então se alinhe e assuma seu lugar
E mostre sua face para a manhã
Porque qualquer dia desses
Você vai estar ‘nascido e crescido’
E essas coisas vêm sem aviso”
Se isso soa como uma melancolia conformada para você, penso que você também entendeu a letra. A melodia da canção, por sinal, é bonita como poucas coisas nessa vida. Uma balada folk com um backing vocal poderoso fazem as ideias da letra soarem como um coral insistente.
Eles estão dizendo a verdade e eu estou entendendo.
O ponto mais interessante dessa história, contudo, é que o belo disco homônimo à canção termina com uma reprise da faixa-título. O detalhe é que ao invés de simplesmente canta-la novamente em um arranjo diferente, Mayer resolve escrever uma espécie de resposta à canção principal. Mais alegre, mais country/blues e com vozes empolgantes em uníssono, os versos mudam. O cantor está mais conformado e perseverante. Sabe aquela cena dos desenhos animados da Disney quando o Pato Donald sai vitorioso de uma aventura insana,”assobiando” e saltitando na estrada?
“Nascido e crescido
Na metade do tempo
eu terei o dobro da minha idade
Melhor aprender como virar a página
Porque o tempo é estranho
Quando você é nascido e crescido”
Não é exatamente fácil virar a página para a frustração de ter tentado, por tanto tempo, antecipar minha maturidade. Especialmente depois de perceber, chegando aos 30, que a extrema dificuldade que tive e tenho em lidar com certas pedras da vida tem bastante a ver com isso. Tal qual o personagem da canção, “ainda tenho sonhos, mas eles não voam tão alto quanto antes”.
Aprendi, contudo: não se antecipa maturidade – não dá pra comprar no supermercado. Viver é preciso, crescer é preciso – fazer 30 é uma pequena parte de tudo isso.