Já faz alguns meses que foi lançado o trailer de The Last of Us 2 – jogo de Playstation 4 – e trazido ao conhecido de muitos (meu, inclusive) um artista chamado Shawn James, mais especificamente sua canção intitulada Trough The Valley (“através do vale” ou “pelo vale“).
Um tom intimista, um violão dedilhado e a música fez sucesso, foi reproduzida e compartilhada, em especial na versão que consta no trailer, não na voz do próprio Shawn, mas de Ashley Johson – atriz que interpreta e dubla a canção no vídeo. Confira:
A letra, por sua vez, é carregada de desespero. Shawn faz referência ao clássico versículo 4 do Salmo 23: “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam”. Mas a versão dele é desprovida de esperança:
“Eu ando pelo vale da sombra e da morte, e não temo mal algum, pois estou cego à todo ele. Minha mente e minha arma me consolam”
A canção é tão intimamente desesperadora e um reflexo nítido de alguém que se viu abandonado em sua própria fé que, talvez por isso, sequer figurou por inteiro no trailer mencionado acima. Logo abaixo posto ela completa, seguida de sua letra traduzida:
Pelo Vale
Eu ando pelo vale da sombra e da morte
e não temo mal algum, pois estou cego à todo ele
Minha mente e minha arma me confortam
Pois eu sei que matarei meus inimigos, quando eles vierem
Certamente bondade e misericórdia me seguirão por toda minha vida
E irei permanecer nessa terra para sempre
Eu ando ao lado das águas calmas e elas recuperam minha alma
Mas eu não posso andar no caminho da retidão por que estou/sou errado
Encontrei um homem no topo de uma colina
Se dizia salvador da raça humana
Disse que veio para salvar o mundo da dor e destruição
Mas eu disse ‘como você pode salvar o mundo dele mesmo’
Pois eu ando pelo vale da sombra e da morte
Não temo mal algum pois estou cego
Eu ando ao lado das águas calmas e elas recuperam minha alma
Mas eu sei que quando morrer, minha alma está condenada
Não vemos um homem revoltado ou raivoso, mas sim alguém que abraçou sua condição de pecador e está incapaz de enxergar a graça e a misericórdia; sem esperança, ele canta sua condenação de forma poética.
Através da Esperança, eu ouço o desalento de um homem perdido e me emociono, não por me identificar ou admirar o que é entoado, mas por que sou levado a dar graças pela minha fortuna. Assim como admiramos a beleza de quem canta a perda de um grande amor, ao mesmo tempo que nos regozijamos ainda mais quando temos um ao nosso lado, essa triste canção me traz alegria.
É uma canto deveras triste, mas que esconde algo muito pior:
Onde está o nosso louvor?
Através de uma música recheada de desesperança, tive as minhas renovadas de uma maneira que há tempos não sou tocado no repertório gospel.
Mas anseio por algo mais direto, algo verdadeiramente confessional, que surja como uma expressão genuína da alma que deseja engrandecer e reverenciar o Eterno, a Esperança encarnada, o Cristo.
A música de Shawn é genuína, ele canta o que sente, talvez por isso surja uma conexão imediata. A franqueza atrai e cativa, ainda que seja para revelar nosso estado miserável.
Volto, então, a perguntar: onde está o nosso louvor? Não as nossas canções de adoração, mas o nosso louvor?
Anos a fio de um universo gospel parecem ter cauterizado nossa capacidade de sermos genuínos em nossas canções. Perdemos a franqueza em expor nossos anseios, como a que vemos no Salmo 109:
“Quando for julgado, saia condenado; e a sua oração se lhe torne em pecado.
Sejam poucos os seus dias, e outro tome o seu ofício.
Sejam órfãos os seus filhos, e viúva sua mulher.
Sejam vagabundos e pedintes os seus filhos, e busquem pão fora dos seus lugares desolados.”
(versículos 7-10)
Uma súplica genuína, afinal, o salmista sabe que não fala para um “gênio da lâmpada” – que irá atender todos os seus pedidos incondicionalmente. Não há qualquer menção que essa súplica tenha sido atendida (muito provavelmente não), mas ela existe para revelar a angústia do autor com as injustiças que vinha sofrendo.
Talvez estejamos carentes de louvores por que não estamos sendo verdadeiros. E aqui é bom não nos confundirmos com os milhares que decretam suas vitórias com sabor de mel; pois muito embora eles exponham seus reais anseios, o fazem de maneira desconexa da realidade, como loucos tentando crer em uma fantasia através da repetição.
Shawn James não afirma que age corretamente ou que deve existir algum tipo de redenção para o caminho que escolheu. Ele canta sua desesperança, pois sabe da consequência dos seus atos.
Muitos de nós, por outro lado, temos esperança. Mas parece que estamos com ela entalada no meio da garganta. Precisamos cantá-la, da forma que ela vier.