‘Eis que estou à porta e bato” – diz o texto Bíblico em Apocalipse 3:20. De porta em porta vãos os Testemunhas de Jeová; e agora, além da porta larga que conduz à perdição, existem 2 estreitas, sem mencionar a dos Fundos.
O coletivo humorístico encabeçado por Antonio Tabet, Fabio Porchat, Gregório Duvivier, Ian SBF e João Vicente de Castro, conhecido como “Porta dos Fundos” surgiu no YouTube há quase dois anos e trouxe divisão no meio da Igreja. Há os que amam, os que odeiam, só não existem os mornos.
O grupo incorpora irreverência em seu sentido literal, não havendo tema sagrado e que não seja alvo de piadas. Existem vídeos geniais, outros engraçados, alguns sem graça e o infame Especial de Natal – que deixou até a mim (já que me considero bastante liberal) incomodado. Deixo aqui, o meu vídeo preferido do grupo:
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Além das repercussões eclesiásticas, jurídicas e sociais, Porta dos Fundos também é responsável pela proliferação dos canais de esquetes humorísticas no YouTube. Dentre os vários, um que vem ganhando notoriedade é o “Porta Estreita TV”. Criado há cerca de 11 meses e já com mais de 60mil inscritos, carrega o slogan “Diversão para toda família”.
Ainda que os responsáveis não façam qualquer menção acerca de influências do primo maior, elas são inegáveis. Abaixo segue o vídeo mais popular do canal:
http://youtu.be/DoFs8SHzWxI
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Já fiz parte de grupo de teatro, fiz esquetes em acampamentos e encontros e por isso me solidarizo com o “Porta Estreita TV”, porém ele é mais um indicativo de como o seio evangélico ainda não sabe rir, nem fazer rir. Basicamente, existem algumas fórmulas:
1 – Paródia da Bíblia: é qualquer trecho das escrituras adaptado. O que era pra ser comum na exposição das Escrituras, acaba restrito aos cultos festivos. É a opção mais “garantida”, ou seja, o “perigo” de cometer algum erro no texto é muito pequeno.
2 – O ridículo da hipocrisia: Ariano Suassuna, certa vez em entrevista, afirmou que todo cristão é um hipócrita. Antes dele, Paulo já dizia que não fazia o bem que queria, mas o mal que não queria (Rm 7:19). Ir ao culto e acessar pornografia; orar pelos necessitados e fofocar da vida alheia; entoar louvores e xingar no trânsito. O espectador se conecta em algum nível, mas não é provocante.
3 – Piada interna: são situações que brotam por causa da fé cristã e/ou da ‘cultura gospel’. Comportamentos, dúvidas, reclamações, constrangimentos e demais sensações que são partilhadas por aqueles que fazem parte do mesmo grupo. É o tipo de humor explorado nos populares Stand-ups.
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As fórmulas 1 e 2 são geralmente pobres e não só refletem, como estimulam, a dificuldade de interpretação do público evangélico – falo como quem já usou e abusou de ambas. Não devem ser combatidas, nenhuma forma de humor deve ser atacada, mas ater-se nelas é como ficar preso na “Praça é nossa” e no “Zorra Total”.
A terceira se divide. A porta dos fundos faz a maior parte de suas piadas com a fé cristã, a estreita com a ‘cultura gospel’. Talvez por isso na primeira você entre por trás, escondido, enquanto na última em que a diversão é para toda a família, fique na sala.
São propostas diferentes. Mas que falam sobre nossos caminhos, como crentes. Desde Pastor Arnaldo (cujo público é cristão em sua maioria) à Monty Python (que é venerado por seu humor e possui trabalhos como A Vida de Brian), só se comunica com quem é de fora da Igreja quando o humor é destemido, irreverente. Uma pitada de dúvida, um retrato das incoerências teológicas e práticas em nossos discursos.
Fora da comédia, C.S. Lewis e J. R. R. Tolkien imaginaram universos com feitiçaria, comunicação com os mortos e um deus inexistente ou em forma de animal. Ainda assim, transmitiram uma bela mensagem sem desviar ninguém da fé, talvez o oposto. Essa capacidade parece não se estender ao humor na visão da maioria. Imaginar um Deus piadista soa mais pecaminoso que orar em línguas sem um intérprete. Imaginar um Adão efeminado parece ser mais ofensivo que propagar a ideia de um Deus mercenário. E reverência continua sendo sinônimo de um rosto sisudo.
Acontece que a mensagem humorística “para toda família” não sai de dentro da igreja, e essa pode realmente ter sido a intenção de seus idealizadores. Uma pena.
Por isso me repito ao dizer que me solidarizo com o “Porta Estreita TV”, pois sei como é difícil fazer humor para a igreja, mas por enquanto prefiro entrar pela porta dos fundos (e se você riu aqui, só corrobora o texto).
Encerro como quem entoa uma prece, no nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo e da Rosa.
Capa: divulgação/montagem
Daniel Serrano é formado em direito, advogado, conta piada sem graça e tem muito vídeo vergonha alheia.
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