Perdido em Marte tem tudo para passar em branco. Tem a assinatura de um dos diretores mais insossos de Hollywood (Ridley Scott, de nascedouro brilhante e caminhos recentes bem tortuosos), possui uma história de heroísmo bastante comum e ainda por cima abraça vários dos clichês da ficção científica tradicional ligada a viagens espaciais.
O filme tinha tudo para ser mais uma página da história de Ridley Scott que não tem absolutamente nada a acrescentar enquanto narrativa de cinema.
Mas não é bem assim.
Não é que Perdido em Marte seja um filme extremamente marcante, vamos deixar isso claro. Mas tudo ali parece funcionar bem melhor que a média geral dos filmes recentes de Scott, e até melhor que seu companheiro blockbuster de viagens espaciais, o sonolento Interestelar de Christopher Nolan.
O filme conta a história da expedição espacial Ares 3, que tem no comando a presença de Jessica Chastain e, junto a essa equipe, está o astronauta e botânico Mark Watney, interpretado por um Matt Damon também acima da sua média.
Acontece da expedição ser surpreendida por uma fortíssima tempestade de areia e se decide abortar a missão. E o coitado do Matt Damon fica em Marte. Ainda bem, já que se ele não tivesse ficado a gente não tinha filme.
Ou não tinha livro, já que se trata de uma adaptação da obra de Andy Weir.
Há alguma infelicidade no título nacional. O original é “O Marciano”, que tem muito mais a ver com o sentido que o protagonista dá à sua luta por ali.
A partir do momento em que Matt Damon se percebe sozinho no planeta, sem comunicação com a terra e com provisões alimentares para alguns meses, ele decide lutar. Eu gosto do seu pensamento, que inclusive está no trailer: “eu te garanto, que em algum ponto, tudo vai dar errado pra você. Você vai dizer ‘é isso, é assim que eu termino’. Agora, você pode aceitar isso ou começar a trabalhar”.
A luta de Watney se converte a uma luta de desbravador. Se antes a missão era desbravar o inóspito em busca de algo relevante cientificamente, agora a missão é sobreviver.
São quatro anos até que uma nova expedição espacial possa resgata-lo.
A experiência botânica de Watney permite que sua luta seja em torno da destreza de gerar vida onde não há. E a partir desse momento o filme absorve características estéticas que o permitem se aproximar bastante da geração imersa em vlogs e snapchats.
Para registrar sua jornada no planeta, Matt Damon inicia uma espécie de vlog e nós acompanhamos tudo que faz através de câmeras de segurança e lentes ao estilo das GoPro presas em capacetes, dos esportistas de aventura.
Tais relatos criam aquilo que há de mais assertivo no filme: seu real interesse em ser uma história solar e positiva. O pesadelo do protagonista é ser deixado para trás, mas o risco real está na escassez.
Longe de ser um subtexto no filme, me é inevitável pensar que existem milhões de Watneys no planeta Terra. Populações inteiras padecem da ausência de resgates elaborados e heróicos como o relatado por Ridley Scott. A história real é certamente mais sombria, mas a que está na tela, não deixa de nos inspirar a “começar a trabalhar”.
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