O ano de 2001 foi marcado por um abalo em seu centro capitalista com o ataque ao World Trade Center. Enquanto isso se desenrolava, um grupo de jornalistas se preparava para abalar uma outra grande estrutura ocidental: a Igreja Católica Apostólica Romana.
Spotlight teve seu script terminado em 2013 e já estava em alta no Black List – que é basicamente uma comunidade fechada onde roteiros bem cotados, mas ainda não produzidos, são postos “à venda”. Já no ano seguinte, 2014, sua produção teve início.
O encanto não é para menos: a história provocativa e desconfortável conta como um grupo de jornalistas desvendaram um grande esquema de acobertamento de pedofilia dentro da Igreja Católica – cujo envolvimento seguia até o Vaticano. Com uma edição muito bem executada, a história de investigação jornalística que tinha tudo para ser mais um apanhado enfadonho de fatos e pesquisas, se desenrola em uma trama tão apreensiva que toma ares de um verdadeiro thriller policial.
Apesar de baseado em eventos reais, o desenrolar da trama é imersivo de modo que é impossível não se pegar apreensivo com o desfecho da história, por mais que já se tenha uma vaga ideia de qual será (caso você não saiba, manteremos o suspense 😉 ).
Tal sentimento talvez venha pois o que se destaca na tela não é a exposição dos fatos em si, mas como aquilo passa a afetar a vida de todos os personagens ali presentes. Cada qual com sua própria crise (muitos criados dentro da própria Igreja), eles parecem iniciar a investigação com um espírito redentor, apenas para se verem cara a cara com o desespero.
Em um dado momento do filme, um dos personagens desaba e conta como era engajado na Igreja e acabou saindo “pelas mesmas merdas de sempre”, mas sempre achava que iria voltar um dia ou outro. Após tudo o que descobriram, ele lamenta desolado: – “é como se algo tivesse quebrado em mim“.
O que Rezendes (personagem de Mark Ruffalo) vivencia e compartilha com sua colega é um mero reflexo do que todas as vítimas de abuso experimentaram. Muitos dos relatos são enfáticos ao afirmarem que enxergavam a atenção especial que recebiam no início, antes do assédio, como sendo o próprio Deus falando com eles diretamente; então concordavam com tudo que se seguia, afinal como se poderia “dizer não para Deus?”
“Eles abusam de nossa espiritualidade. Roubam nossa fé.”
Sentado em um cubículo com quatro jornalistas incrédulos, uma das vítimas aponta para algo comumente esquecido nesses casos: “não é apenas abuso físico, é mais do que isso, eles abusam de nossa espiritualidade. Roubam nossa Fé. E aí não resta muita coisa para um homem a não ser se afundar nas drogas, álcool ou até mesmo terminar com a própria vida.” *
Entra nos holofotes uma questão que é abordada de maneira sutilmente genial no filme, mas que está presente o suficiente para deixar a pulga plantada para sempre atrás da orelha. A responsabilidade carregada por aqueles que são vistos como representantes de Deus (Padres, Bispos, Cardeais, Pastores, Diáconos e até mesmo Teólogos) é de um peso inimaginável.
O desalento de encontrar uma conduta extremamente perversa e imoral advinda daqueles que supostamente deveriam carregar uma maior responsabilidade eclesiástica é perfurante. Não é preciso restringir-mo-nos ao abuso infantil: o estelionato televisivo, a fraude espiritual, o aprisionamento psicológico, etc. também são formas corriqueiras de “roubo da Fé” (com o perdão teológico da expressão).
Mas Spotlight ainda reserva mais uma pancada no espectador, dessa vez pela boca de Mitchell Garabedian (um advogado armênio interpretado por Stanley Tucci) ao afirmar que: “nós só conseguimos enxergar isso por que estamos do lado de fora […] É preciso uma vila inteira para educar uma criança, e também é preciso uma vila inteira para deixar tudo isso de lado.” *
Garabedian primeiro nos lembra como é fácil ignorar fatos alarmantes quando estamos inseridos dentro de um sistema doente, logo em seguida nos mostra que todos aqueles que, mesmo sem participar de forma ativa, toleram e fazem vista são também parte do mesmo problema.
O questionamento de Garabedian ecoa por toda história até um ponto em que um dos personagens questiona outro como ele foi capaz de deixar tudo aquilo acontecer impune, ao que ele retruca: “- nós estávamos esperando por você! Onde você estava?”
O peso da responsabilidade é cada vez mais aumentado e reflete bem o que traz o livro de Tiago, “Pensem nisto, pois: quem sabe que deve fazer o bem e não o faz, comete pecado” (Tg 4:17).
Só ao final do filme, quando a audiência já está quase dividindo o fardo de culpa junto com a equipe do Spotlight, que surge um raio de Graça e acalanto por Marty Baron (interpretado por Liev Schreiber):
“Às vezes, é fácil esquecer que passamos a maior parte de nosso tempo tropeçando no escuro. De repente uma luz se acende e aí se tem uma porção de culpa para lidar […] todos vocês fizeram um ótimo trabalho de reportagem aqui.”
Spotlight é, no fim de tudo, um lembrete para todos nós que somos representantes de Cristo na Terra. Um chamado a manter olhos abertos, ouvidos atentos e bocas preparadas para denunciar a iniquidade. E não importa há quanto tempo estamos tateando no escuro, uma hora a luz acende – talvez seja a candeia que você deixou embaixo da vasilha.
Spotlight – Segredos Revelados (2015)
Direção: Tom McCarthy
[rating=5]
* não se trata de uma citação literal do filme.