Colchões no corredor, malas e mochilas por todos os lados, cheiro de madeira rústica, jogos de tabuleiro, pouca ou nenhuma conexão com a internet, muita areia, sol forte e toda vastidão do oceano a menos de 50 metros de distância.
Casa de praia – esse local misterioso esconde uma capacidade inimaginável de se ignorar inúmeros pernilongos, noites mal dormidas, filas pra comer e para usar o banheiro.
No meio desse cenário propício para banhos de filtro solar e bronzeadores, me encontrei junto a cerca de 30 jovens, discutindo e avaliando ações sociais, políticas inclusivas, planejamento eclesiástico e teologia.
aquele tom hipocritamente insosso que ninguém mais engoleSem o escudo de resposta que as redes sociais nos proporcionam, as ideias eram lançadas instantaneamente, não tão articuladas quanto gostaríamos, mas trazendo à tona um falatório bem mais honesto.
Com pouco tempo para filtrar o discurso, cada um deixava escapar o que realmente pensa, não aquilo que julga certo ou sensato, mas um apanhando de ideias bem mais autênticas, sem aquele tom hipocritamente insosso que ninguém mais engole.
De pentecostais com postura reformada à conservadores com ranço liberal, o retalho de opiniões frustrava cada vez mais a tentativa de rotular as pessoas como aliadas ou adversárias. A refeição compartilhada, o olho no olho, as nuances da voz falada, tudo isso colaborava para a verdadeira discussão. Fora disso é disputa, o indivíduo versus o texto escrito, cru, silencioso e frio. Quando discutimos com alguém, e não contra suas ideias, caem ambas as defesas.
Todos pareciam, inconscientemente, tão incrédulos com tal fenômeno que o naipe das conversas parecia ganhar densidade de forma exponencial.
Cosmovisão cristã; marxismo cultural; fé e política; pentecostalismo; presbiterianismo; teologia; Kuyper; o fado de assuntos polêmicos poderia ser cantado à exaustão, mas a receita que é explosiva na rede, não conseguia gerar a menor faísca.
O preciosismo teológico, que parece tão ardente e urgente nos compartilhares do facebook, não resistia à dois pares de chinelos na areia molhada e uma bola velha de futebol. Toda discussão sobre amor perecia sob o amor vivido, todo argumento sobre comunhão se esfarelava perante a comunhão vivida; nenhum choque de suposições sobrevive ao advento da realidade, do concreto.
Sob um sol forte admirávamos a beleza costeira, o riso corria leve e a água ainda gelada parecia refrescar além de nossos corpos. Boiando na imensidão azul eu olhava pra para o alto e redescobria o céu; redescobria a Graça.
Naquela beira-mar emulávamos o paraíso, um local onde o debate teológico se mostrava ultrapassado. Não por ser desnecessário, pois fora ele que nos levara até ali, mas por parecer já ter exaurido sua função.
O estudo é veículo, é meio, transporte; a teologia nada, nada e, eventualmente, morrerá na praia. Mas não será um esforço em vão, ao contrário, é vital, pois em seus ombros carrega a todos nós.