Conto original *catavento: O caminho

Olhando pra frente viu mais uma decepção. Os ombros cansados, carregavam um peso de origem desconhecida. Todo um caminho que ele julgara ter deixado pra trás erguia-se sobre sua cabeça, placas gigantes de pavimento passavam flutuando sobre ele, a sombra que elas projetavam condiziam com sua figura cabisbaixa.

PAM! PAM! PAM!

As placas caíam abruptamente à sua frente e estava feito, refeito. A mesma estrada se abria, o mesmo caminho, nada novo. Vinhas de espinhos esgueiravam-se pelas laterais, deslizando e crescendo como serpentes, seu intuito era mostrar que – embora o mesmo – o caminho renovava-se de maneira mais árdua. Olhou para trás, onde antes havia o mesmo, agora erguia-se um enorme espelho, esticando-se até formar um infinito horizonte vertical. Sua própria imagem, aumentada centena de vezes, olhava-o e dizia para parar.

Pequeno, menor do que lembrara que um dia jamais tivesse sido

 
Então sentou, tirou a camisa e, hesitante, passou a ponta dos dedos por entre a fechadura que figurava no meio do peito. Não tinha a chave, mas podia espiar por ela. E lá dentro viu ele mesmo, preso, dentro si. Pequeno, menor do que lembrara que um dia jamais tivesse sido, seus braços e pernas atados em engrenagens que iam se conectando a outras maiores e maiores, até comporem os dedos que acariciavam a fechadura e inclinavam o seu pescoço para se ver ali dentro.

Ergueu-se, consciente agora que era uma carcaça, guardando a si próprio dentro do peito, minúsculo demais para sair. Então as engrenagens rangeram mais uma vez, mais um primeiro passo foi dado. Nesse instante o espelho sumiu, tudo que rodeava a estrada sumiu, só ela voltava a existir, dobrada em si mesma, sua chegada apontando para seu início.

Segunda passada, terceira e quarta, não mais existia fim a contemplar, os passos eram dados por serem passos, e ele os dava por que era isso que agora fazia: caminhava. Sempre em frente, adiante, infinito… Os olhos com pálpebras meio cerradas entregavam uma visão morta que não via nada em particular, atento apenas para onde o próximo passo iria cair.

Mas lá dentro, espiando pela fechadura, ele nota uma janela com uma característica inusitada: desaparece e é imediatamente esquecida quando não observada, mas se mostra eterna enquanto nela repousa o olhar.


Capa: Dragon Ball Z – reprodução.