Prazer, Walter Mitty

The_Secret_Life_of_Walter_Mitty_1274874Minha poltrona era a “K10”, cheguei pro filme já na metade dos trailers. Sala não muito cheia, projeção tomando a tela toda do cinema (sem aqueles formatos mais “quadrados” que alguns filmes adotam) e uma obra que finalmente parecia retratar algum comum na minha vida: Daydreaming – sonhar acordado.

Ben Stiller em uma atuação que me agradou muito e uma direção que me cativava a cada instante: excelente! O filme me agradou durante a sua primeira metade, mas não mais do que isso. Tudo por que passei a ficar incomodado, me identifiquei demais com o personagem e sua fuga da realidade.

Me lembrou da minha adolescência, quando deliberadamente eu me deitava mais cedo. Não por sono ou responsabilidade em acordar na hora certa, mas para fechar os olhos e ficar imaginando cenários onde eu salvava meus colegas de classe e, claro, aquela menina que era o centro da paixão platônica naquele ano. Algumas vezes eu era um Saiyajin (Personagem de um anime japonês, para os leigos na área), outras alguém que acordou da Matrix, ou então fazia parte de alguma banda famosa (mesmo sem saber tocar nenhum instrumento até hoje).

O incômodo aumentou ao passo que os sonhos foram abarcando dias mais presentes. Quadrinhista profissional; um ano sabático de mochileiro e bicos para conseguir dinheiro; autor de um romance popular. A imaginação te dá asas, mas não te ensina a decolar, normalmente a gente só cai e plana.
 

A imaginação te dá asas, mas não te ensina a decolar, normalmente a gente só cai e plana.

Aguentei o filme até o fim, absorvi tudo e fui para casa. Ponderei durante uma semana o que eu era, o que eu realmente queria ser…de verdade, se não existissem contas à pagar ou preocupações com o futuro. Descobri que não tenho planos concretos, pois ainda não estou sólido o suficiente para tanto.

Nossos planos tem a mesma consistência que a gente. Só que eu ainda sou maleável, por que não me estiquei até onde queria. Não testei meus limnites. Nunca falhei miseravelmente e repetitivamente em algo, por algum motivo alguém inventou que isso fazia mal e eu acreditei.

Foi então que lembrei do meu tio que está passando o verão aqui. Ele mora em Belo Horizonte e é pastor em uma igreja local. Era isso. Vendi meu PS3, meu tablet, notebook e comprei uma passagem. Meus pais se ofereceram para pagar, mas tinha que ser diferente, tinha que ser assim. A ideia era remover o maior número de amarras possíveis.

Não dá pra ser um Power Ranger nem um Saiyajin, o mochilão na Europa era muito caro por causa das passagens. Mas 6 meses em Belo Horizonte era ideal e plenamente possível!

Arranjei um trabalho de meio expediente no grupo de panificação que meu tio havia trabalhado. Fazia todos os meus trajetos a pé e conversava com todo mundo que parecia interessante na rua.

Fui para Outro Preto de carona. Conheci o “Chapadão” com um grupo de turistas irlandeses que tomavam café na padaria. Descobri que sou comunicativo e nem um pouco tímido. Usei o mesmo par de calças sem cessar. O jeans puído e desbotado de tanto lavar, somado às camisetas realmente velhas de uso me deram um estilo que sempre achei “cool”, mas nunca parecia cair bem. Faltava autenticidade. Somado à isso tudo eu estava num fluxo criativo sem precedentes, algumas coisas eu realmente achava de bom gosto.

Pra culminar, um dia, servindo café a um senhor baixinho que puxou conversa comigo, menciono que gosto de escrever e desenhar e mostro alguns dos meus rabiscos. Ele se interessa. Melhor que ele se interessar era o fato dele ser produtor de um certo programa de entrevistas, numa certa rede televisiva nacional.

“- No ar em 3, 2,1…”. Nunca achei que umas ideias malucas e uma súbita mudança de vida chegaria a tanto. Jô então me pergunta: “- Mas foi quanto tempo mesmo que você passou em Belo Horizonte?”

6 minutos. Perdidos. De novo. Acho que a cena era Walter correndo de bicileta. Confirmo do lado e era isso mesmo. Ainda bem que não era nada muito importante para a trama.

Sujeito engraçado esse do filme.