Em um universo paralelo distante, já saímos da quarentena

1. Com a primeira morte confirmada em 17 de março e uma semana da declaração de pandemia pela OMS, o presidente brasileiro, Cledir Maldonado monta força tarefa integrando os ministérios da saúde, fazenda, direitos humanos e representantes de comissões especiais do congresso. O Ministério da Saúde vinha atuando ainda de forma tímida e sendo criticado pela ausência de intensidade nas ações, mas em coletiva de imprensa no final do dia 17, o ministro apareceu em fala incisiva sobre a importância da quarentena urgente a começar de São Paulo, a cidade da primeira morte.

2. No dia 20 de março, estados e municípios enviam carta cobrando do Governo voz na Força Tarefa Covid, como foi chamado o grupo de trabalho. Com o fechamento de qualquer tipo de reunião, de aglomerações, o governo começa a receber críticas de pastores evangélicos acusando de perseguição à liberdade de culto e à fé cristã. O governo rebate as críticas deixando claro que se trata de uma questão de saúde pública. Ministério da Saúde se articula com a Anac para deixar em quarentena qualquer voo que chegue de países onde há alto índice de contaminados. Dias depois, o Governo anuncia o fechamento de fronteiras com Estados Unidos, Itália, Portugal, Espanha e China por tempo indeterminado.

3. Em 25 de março, com o crescente número de casos em São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza, o Ministro da Saúde se reúne com os prefeitos e governadores desses locais e sugere lockdown completo por 10 dias.

4. Em 31 de março o Brasil vê os números se multiplicarem rapidamente, indicando que o vírus vinha se espalhando pelo país desde o final de fevereiro e agora chegava às principais capitais brasileiras. Todas decretam quarentena e o Ministério da Fazenda faz um anúncio preocupante sobre a obrigatoriedade do fechamento de qualquer empresa que não atue em serviços essenciais.

“Não podemos hoje pensar apenas no problema financeiro futuro. Não temos tempo. O tempo agora é de fornecer o máximo que o governo pode para sustentar a todos sem sustento nesse país, pensando principalmente nos mais vulneráveis”

Na coletiva de imprensa, o presidente Cledir Maldonado aparece junto aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal pedindo calma à população. “O mundo está passando por isso e precisamos entender que todos teremos de enfrentar juntos as consequências. Sei que é duro ter que fechar tudo e muitos empregos podem ser comprometidos. Por isso, estou aqui hoje com o presidente Rodolfo Melo e Denis Albuquerque para anunciar que o nosso principal esforço será em fornecer aos brasileiros o mínimo para viver neste momento em que não poderão trabalhar”. Melo e Albuquerque fazem falas rápidas, todos de máscara e com púlpitos distantes entre si, afirmando que trabalharão para convencer todas as frentes no Congresso de que a ajuda emergencial é a saída mais importante naquele momento.

O Ministro da Fazenda volta a falar e explica que para as empresas, serão liberadas linhas de crédito e subsídios significativos, como a redução de cargas tributárias temporariamente. “Por mais difícil que seja para um Ministro da Fazenda dizer isso, precisamos ser realistas: não podemos hoje pensar apenas no problema financeiro futuro. Não temos tempo. O tempo agora é de fornecer o máximo que o governo pode para sustentar a todos sem sustento nesse país, pensando principalmente nos mais vulneráveis”.

5. No dia 01 de abril, a ministra dos Direitos Humanos, Daniela Abreu, faz a apresentação online ao congresso do projeto de ajuda emergencial. Participa da reunião o Ministro da Fazenda, Saulo Gomes. A base do governo luta contra uma oposição que não vê a ajuda emergencial como tão urgente assim. A ministra chora na reunião em videoconferência e faz discurso forte sobre a importância de cuidar do brasileiro mais frágil porque este não tem opção nenhuma. Sem poder ficar em casa e se sustentar, vai sair de casa para trabalhar, se contaminar e morrer (ela bate na mesa). O vídeo viraliza nas redes sociais. Alguns a chamam de desequilibrada, outros veem sensibilidade e força necessária para o momento de crise.

6. No dia 02 de abril os Ministérios da Saúde e da Fazenda fazem uma coletiva de imprensa com a presença de representantes da indústria farmacêutica, cosmética, têxtil e de automóveis. Sendo cobrados por especialistas, fazem anuncio tardio de que o país entrará em um amplo projeto de reconversão industrial. As indústrias farmacêuticas e cosméticas produzirão álcool em gel em larga escala. O governo dará um subsídio fiscal extra e conquistou a doação de milhões de frascos. A indústria têxtil terá incentivo fiscal e o governo garantirá a compra de milhões de kits de EPI para o SUS. A indústria automotiva iniciará as articulações para produzir respiradores com projeto baseado no protótipo de pesquisadores da UFPB e Unicamp.

7. Dia 5 de abril: o vírus está sendo controlado nas capitais que decretaram lockdown e a curva de novos casos começa a achatar, ficando na casa dos 30 mil casos em todo Brasil e 3 mil mortes. As UTIs nos outros estados começam a chegar em sua capacidade máxima e 5 novas cidades decretam lockdown: Recife, Manaus, Belém, Brasília e Belo Horizonte. Os brasileiros mais necessitados começam a receber a ajuda emergencial aprovada pelo Congresso e assinada pelo presidente Cledir em coletiva de imprensa.

8. Dia 10 de abril: São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará têm total controle dos seus casos e os governadores apresentam o plano de saída da quarentena. As pessoas comemoram nas varandas. O Ministério da Saúde inicia a doação de kits de álcool em gel e máscaras em comunidades que enfrentam extrema pobreza, produzidos e doados pela indústria têxtil, cosmética e farmacêutica. A situação ainda é crítica nas cidades que decretaram lockdown no dia 5, mas começa a se controlar. Chegam aos hospitais os primeiros respiradores produzidos pela indústria automotiva e homologados pela Anvisa.

“Cada família que perdeu um ente querido, saiba que o Brasil sente a sua dor e juntos passaremos por isso, como um país que fica de luto neste momento com todos vocês”

9. Dia 11 de abril: as cidades que estão com casos controlados têm previsão de sair da quarentena ao completar 1 mês do início da crise. A ansiedade está no reencontro e não mais em ficar preso em casa sem saber do futuro.

10. Dia 15 de abril: as últimas cidades que entraram em lockdown encerram o isolamento compulsório e voltam para quarentena simples. Neste mesmo dia, foram liberados para trabalhar em forma de rodízio serviços não essenciais. O Ministério da Saúde faz coletiva de imprensa reforçando a importância de manter o home office como uma necessidade por pelo menos mais um mês nas empresas onde isso é possível. Shoppings devem funcionar limitando o acesso por loja, escolas e universidades devem aguardar mais 15 dias sem atividades e depois iniciar um rodízio de aulas, nunca permitindo que todos os alunos estejam juntos no mesmo dia. Nada de shows, feiras e eventos que reúnam mais de 50 pessoas por pelo menos 30 dias. Máscaras são obrigatórias pelos próximos 60 dias em qualquer ocasião fora de casa.

11. Dia 16 de abril: vídeos de reencontro saltam por todos os lados. Pais veem filhos que não viam há 30 dias. Amigos se reencontram, casais se beijam. Colegas de trabalho descobrem o quanto fazia falta a rotina que tantas vezes pareciam odiar. Pessoas aplaudem profissionais de sáude que se dedicaram nas últimas quatro semanas como nunca visto nos últimos 100 anos do Brasil.

O presidente faz uma coletiva de imprensa e mal consegue começar a falar. Está em lágrimas. “Brasileiros e brasileiras, nos últimos 30 dias, nós vimos um país parar graças a um vírus que nunca poderíamos imaginar ser tão letal e tão devastador em todo mundo. Agimos o mais rápido que podíamos, mas ainda assim, afirmo que não fizemos todo possível no começo de tudo. Hoje, lamento as mortes de 5 mil brasileiros e brasileiras pelo coronavírus. Cada família que perdeu um ente querido, saiba que o Brasil sente a sua dor e juntos passaremos por isso, como um país que fica de luto neste momento com todos vocês. No entanto, hoje, também comemoro que estamos dando os primeiros passos para sair dessa crise como vitoriosos. Diferente de tantos outros países, fizemos sacrifícios que hoje trazem frutos muito evidentes: podemos sair de nossas casas, com menos restrições, mas ainda com muito cuidado. Cuidem de si e dos seus, pois assim estaremos cuidando do nosso país”.


Se você também acha que essa realidade paralela poderia ser a realidade do Brasil, compartilhe este texto. Vários dos pontos citados neste texto são baseados nas apresentações de pesquisadores e educadores doutores como Átila Iamarino, Mônica De Bolle, Laura Carvalho e alguns até são pontos realizados pelo desgoverno federal. No entanto, mesmo os pontos positivos são completamente destruídos pela postura antidemocrática, antirrepublicana e especialmente perversa do nosso presidente. Poderíamos não estar completando 60 dias de quarentena. Poderíamos não ter 260 mil casos, 17 mil mortos e seguir sem perspectiva. Poderíamos, como o resto do mundo, estar comemorando hoje reencontros, a vida voltando a algo menos enclausurado. Fomos alertados, mas estamos no “poderíamos”. Não estamos, graças a um governo efetivamente ineficiente que incentiva um país a seguir sem rumo e ser egoísta.

Mas somos maiores que qualquer governo e venceremos – nesta realidade e independente do mal.